Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]

A captura das fontes antropogênicas de emissão de gás carbônico com consequente processo de armazenamento para determinada estrutura geológica, evitando sua dispersão na atmosfera, é a dinâmica elementar que compõe as tecnologias de CCS, do inglês Carbon Capture and Storage.

Da captura ao armazenamento geológico de CO2 podem ser identificadas quatro etapas básicas: 1) captura e separação do CO2 de outros gases originados da fonte emissora estacionária, para atingir um fluxo de alta pureza[2]; 2) transporte de CO2 desde a fonte emissora até o local de armazenamento[3]; 3) armazenamento de CO2 em distintas formações geológicas[4]; » medição, monitoramento e verificação de CO2 antes, durante e após a fase de injeção em uma formação geológica[5]. Existem diferentes procedimentos disponíveis para cada etapa com viabilidade e desempenho variáveis de acordo com as características específicas do projeto.

Imagem 1. Representação de Projeto de CCS (KETZER, 2016)[6]

Amplamente utilizada internacionalmente, estas tecnologias têm sido apontadas como fundamentais na composição de cenários de mitigação de emissões de gases do efeito estufa (GEE), no inglês GHG ou Greenhouse Gases[7]. O Brasil apresenta diversas formações geológicas compatíveis com a tecnologia[8] para o armazenamento de CO2, contudo, sua viabilidade depende de diversos fatores além dos geofísicos, especialmente nos campos econômico, logístico, tecnológico, normativo e sociopolítico[9].

O ano de 2020 marca o início da implementação da NDC (Nationally Determined Contribution) brasileira, as contribuições determinadas nacionalmente, que são destinadas a reduções nas emissões de gases de efeito estufa sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). No mesmo ano, expira o prazo para o cumprimento das metas inscritas na lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC – Lei 12.187/2009), que determinou que o país reduza suas emissões de 36,1% a 38,9% em relação ao esperado para 2010.

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Imagem 2. NDC Brasil, metas de emissão de GEE (MMA, 2020)[10]

Além do desmatamento da Floresta Amazônica ter despontado como incremento às emissões brasileiras, há de se considerar que o aumento do uso intensivo de combustíveis fósseis passa a ser um elemento a ser observado pelas políticas brasileiras ambientais e energéticas. No Brasil, em 2016, a exploração e uso de petróleo, gás natural ou derivados geraram 296 milhões das quase 424 milhões de toneladas de CO2[11] geradas pelo setor de energia.

Já há algumas iniciativas consideradas para o Brasil, em curso ou anunciadas, para a contenção das emissões de GEE, como o Plano Setorial de Transporte e Mobilidade Urbana para Mitigação e Adaptação à Mudança do Clima (PSTM), o Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT), o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2026, o Plano Nacional de Energia 2050 (PNE 2050), o RenovaBio e o Rota 2030, sucessor do programa Inovar-Auto, além de iniciativas para o setor industrial focadas em otimização e eficiência dos sistemas de produção e redução da intensidade energética, e da universalização de coleta de resíduos e tratamento de efluentes (FMBC, 2018). Contudo, as tecnologias de CCS ainda não foram explicitamente citadas no ferramental normativo em nível federal ou nos estados, apesar de haver estudos do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MCTIC) apontando as tecnologias de CCS enquanto opções setoriais para mitigação de emissões de GEE[12].

Apesar da incipiente discussão sobre a viabilidade da introdução das tecnologias de CCS no país, a lei nº 12.187 de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, prevê princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos compatíveis com CCS, entendendo por mitigação: mudanças e substituições tecnológicas que reduzam o uso de recursos e as emissões por unidade de produção, bem como a implementação de medidas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa e aumentem os sumidouros.

Além disso, a lei entende como “adaptação”: iniciativas e medidas para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas naturais e humanos frente aos efeitos atuais e esperados da mudança do clima. A mesma lei dispõe que a Política Nacional sobre Mudança do Clima visará à implementação de medidas para promover a adaptação à mudança do clima pelas 3 (três) esferas da Federação, com a participação e a colaboração dos agentes econômicos e sociais interessados ou beneficiários, em particular aqueles especialmente vulneráveis aos seus efeitos adversos (inciso V do artigo 4º) e o estímulo e o apoio à manutenção e à promoção de práticas, atividades e tecnologias de baixas emissões de gases de efeito estufa (inciso XIII do artigo 4º).

De grande importância na lei é a previsão de que as medidas existentes, ou a serem criadas, que estimulem o desenvolvimento de processos e tecnologias, que contribuam para a redução de emissões e remoções de gases de efeito estufa, bem como para a adaptação, podem ser beneficiadas pelo estabelecimento de critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas, compreendidas aí as parcerias público-privadas e a autorização, permissão, outorga e concessão para exploração de serviços públicos e recursos naturais, em propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos.

Além disso, a lei propõe, considerando as especificidades de cada setor, a existência de planos setoriais de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas visando à consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono, inclusive por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL e das Ações de Mitigação Nacionalmente Apropriadas – NAMAs.

O volume de emissões do setor de energia mostra amplo predomínio do petróleo (70% em 2015), seguido do gás natural (17%) e do carvão (6%), com crescimento proporcional mais expressivo das emissões oriundas da produção e consumo do gás natural, que quase sextuplicou as emissões no período entre 1990 e 2016[13].

Há entre os Princípios e Objetivos da Política Energética Nacional os dispositivos[14]:

Art. 1º As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos:

IV – proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia;

XVIII – mitigar as emissões de gases causadores de efeito estufa e de poluentes nos setores de energia e de transportes, inclusive com o uso de biocombustíveis.           (Incluído pela Lei nº 12.490, de 2011).

A mesma Lei prevê no Art. 8º que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe[15]:

IV – elaborar os editais e promover as licitações para a concessão de exploração, desenvolvimento e produção, celebrando os contratos delas decorrentes e fiscalizando a sua execução;

IX – fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente; (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)

X – estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias na exploração, produção, transporte, refino e processamento;

XXIV – elaborar os editais e promover as licitações destinadas à contratação de concessionários para a exploração das atividades de transporte e de estocagem de gás natural; (Incluído pela Lei nº 11.909, de 2009).

Assim, as citadas tecnologias podem encontrar como porta de entrada os contratos das indústrias de Petróleo, Gás e Biocombustíveis no país, que podem/devem prever o estabelecimento de ações de mitigação das emissões de GEE. Devem estar inclusas, portanto, se não obrigatoriamente, no mínimo enquanto critério de preferência nas licitações do setor, através da fixação de diretrizes que estimulariam as atividades de sequestro de carbono nos editais lançados na competência da ANP.

Devendo, para tanto, ser observadas, por certo, todas as exigências socioambientais que a implementação das tecnologias demande, desde as nacionais, analogamente utilizadas para procedimentos similares, às melhores práticas internacionalmente adotadas[16].


[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

[2] Tipicamente superior a 90% (KETZER, 2016.) KETZER João Marcelo Medina… [et al.]. Atlas brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO2 = Brazilian atlas of CO2 capture and geological storage – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016.

[3] Que normalmente é feito por meio de dutos, caminhões ou navios-tanque. (KETZER, 2016.) KETZER João Marcelo Medina… [et al.]. Atlas brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO2 = Brazilian atlas of CO2 capture and geological storage – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016.

[4] Com vantagens e desvantagens específicas(KETZER, 2016.) KETZER João Marcelo Medina… [et al.]. Atlas brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO2 = Brazilian atlas of CO2 capture and geological storage – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016.

[5] KETZER João Marcelo Medina… [et al.]. Atlas brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO2 = Brazilian atlas of CO2 capture and geological storage – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016. 95 p.

[6] KETZER João Marcelo Medina… [et al.]. Atlas brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO2 = Brazilian atlas of CO2 capture and geological storage – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016. 95 p.

[7] IPCC. Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate Change and Land, 2019.

[8] KETZER João Marcelo Medina… [et al.]. Atlas brasileiro de captura e armazenamento geológico de CO2 = Brazilian atlas of CO2 capture and geological storage – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2016. 95 p.

[9] COSTA, H. K. M. (Org.); MUSARRA, Raíssa Moreira Lima Mendes (Org.). Aspectos Jurídico da Captura e Armazenamento de Carbono no Brasil. 1a. ed. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Lumen Juris Ltda, 2019. v. 1. 368p.

[10] MMA. Ministério do Meio Ambiente. iNDC (Contribuição Nacionalmente Determinada). Disponível em: https://www.mma.gov.br/informma/item/10570-indc-contribui%C3%A7%C3%A3o-nacionalmente-determinada. Consulta em abril de 2020.

[11] SEEG. Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Disponível em: http://seeg.eco.br/

[12] RATHMANN, Régis ; Ricardo Vieira Araujo (Org.) . Sumário executivo: modelagens setoriais e opções transversais para mitigação de emissões de gases de efeito estufa. 1. ed. Brasília: MCTIC, 2017. v. 1. 78p.

[13] SEEG. Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa. Emissões de GEE no Brasil e suas implicações para políticas públicas e a contribuição brasileira para o Acordo de Paris. Documento de Análise. Observatório do Clima. 51p. 2018.

[14] LEI Nº 9.478, de 6 de agosto de 1997.

[15] Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005.

[16] COSTA, H. K. M. (Org.); MUSARRA, Raíssa Moreira Lima Mendes (Org.). Aspectos Jurídico da Captura e Armazenamento de Carbono no Brasil. 1a. ed. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Lumen Juris Ltda, 2019. v. 1. 368p.


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