Regina Célia Martinez[1]

Resumo  O presente estudo  se dedica a tratar da atividade profissional da docência e os desafios  da utilização dos recursos da tecnologia da informação. A fase da Pandemia  COVID-19 é apresentada como fato acelerador deste processo,  trazendo mudanças a serem estudadas e implementadas com intuito de identificar e minimizar os efeitos considerados danosos para os atores deste processo. A busca da excelência e  qualidade total na docência depende da disposição e motivação constante em “conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntor e aprender a ser”, não esquecendo da sadia qualidade de vida e desenvolvimento sustentável indispensável a atividade laboral.

Palavras-chave Docente, plataformas virtuais, home office, pandemia, COVID-19.  

Alguns  docentes trabalham por meio de  plataformas virtuais de aprendizagem. Os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVAS) funcionam normalmente com login e senha, como salas de aulas virtuais, com conteúdos que normalmente são  apresentados com recursos diferentes para conseguir  a atenção dos discentes. Aliás, há uma verdadeira  luta em relação ao desafio da conexão plena do discente com a  permanência de  olhares (lives), ouvidos e mentes concentrados na mensagem que se intenciona transmitir.

Sem atenção, não há aprendizado. A tecnologia  permite diversas formas para transmissão das mensagens desde inclusão de  filmes e vídeos até textos, áudios com efeitos para fazer com que a mente do aluno, não fuja ou desligue do foco da mensagem.

Um outro desafio é possibilitar a todos os docentes e estudantes acesso à internet, celular e computador, todavia  as “estratégias de ensino à distância adotadas durante a pandemia de COVID-19 escancararam as desigualdades entre os estudantes.  Reportagem sobre as  escolas estaduais de São Paulo[2]   mostram a dificuldade. 

Com intuito de orientar e procurar suprir a ausência das aulas presenciais, minimizando as desigualdades o Estado também disponibilizou aulas em sites e aplicativos on line, além da transmissão de aulas pela televisão todavia, observou-se que na realidade, há deficiência neste processo, na medida que, nem todos tem  os recursos e os que possuem nem sempre os tem  disponível para acompanhar os conteúdos das aulas com atenção.   

O aluno Rauny Lucas de Siqueira de “15 anos, aluno do segundo ano do Ensino Médio da Escola Estadual Profa. Laurinda Cardoso Mello Freire, em Mogi das Cruzes, a 23 Km, da Capital” mostra a dificuldade do processo de ensino-aprendizagem  externando sua realidade: “Desde o início da pandemia, ele deixou a casa do pai, que estava sem energia elétrica por falta de pagamento da conta de luz, e foi morar com a mãe, o padrasto e mais dois irmãos no distrito de Brás Cubas, na periferia da cidade”.(…) “  o celular de Rauny é um modelo antigo que não tem acesso à internet e só faz e recebe ligações. Além disso, na casa de Rauny não tem wi-fi. Ele diz que chegou a baixar o aplicativo no celular da mãe, mas não conseguiu se logar porque deu erro no seu Registro de Aluno (RA).(…) “Na casa de Rauny, a TV é compartilhada com os outros moradores da casa e nem sempre está disponível. Ele conseguiu assistir a algumas aulas. Segundo ele, há muita reprise e os conteúdos abordados não têm uma continuação e não estão ligados aos conteúdos que ele estava aprendendo na escola antes do isolamento social”.[3]

A reportagem completa: “O estudante faz parte dos cerca de 44% de alunos da rede estadual que não têm assistido às aulas em vídeo no aplicativo adotado pelo governo estadual. De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, dos 3,6 milhões de estudantes, aproximadamente 2 milhões se logaram na plataforma criada pelo governo estadual para substituir as aulas presenciais durante a pandemia. Até semana passada, apenas 1,6 milhão de alunos da rede tinha se logado no aplicativo, de acordo com o governo estadual.[4]

Ocorre que as dificuldades de acesso não são só dos discentes, envolvem também os docentes.

Os Estados  procuraram minimizar o problema na pandemia tendo iniciativas, como podemos exemplificar com o governo de Brasília, que disponibilizou pacotes de internet gratuitos para chegar a todos os estudantes e professores incluindo para estes formação para os que “ desejarem utilizar a plataforma e a inserção dos conteúdos, sob a coordenação da Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação (Eape). A partir da semana seguinte as aulas virtuais já podem ser iniciadas para os alunos da rede.”[5] E complementa: (…) “A Secretaria de Educação optou pelo Google para o Ensino Médio e Anos Finais depois de concluir que esta é a plataforma com melhor aderência ao programa Escola em Casa DF. Para firmar a parceria, sem custos financeiros para a pasta, a área técnica considerou que a plataforma já está disponível na maioria dos smartphones utilizados pelos estudantes, o Android; é a que consome menos dados; e a que já é utilizada por 44 mil estudantes e 4 mil professores da rede.”[6]

O impacto das mudanças na pandemia em relação aos docentes a título de amostragem, está parcialmente apresentado na pesquisa Trabalho Docente em tempos de pandemia, realizada pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente da Universidade Federal de Minas Gerais( Gestrado/UFMG) em parceria com a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação(CNTE).

O resumo técnico da referida pesquisa integra  respondentes da educação infantil (21%), ensino fundamental anos iniciais (38%), ensino fundamental anos finais (42%) e ensino médio(34%). Assim,    temos uma amostragem significativa das quais destacamos:  

“. Experiência anterior em ensino remoto:

          . 11% possui e 89% não possui;

Disponibilidade de recursos tecnológicos para preparação das atividades( Apenas professores que estão realizando atividades não presenciais):

.50,9% COMPARTILHA os recursos tecnológicos com outras pessoas da casa e, por isso, o tempo para utilização é restrito;       .48,8% USO EXCLUSIVO dos recursos pelo docente e, por isso, não há restrição de tempo para utilização;                        .0,3% não possui NENHUM recurso tecnológico. 

. Nível de participação dos estudantes nas atividades propostas: (apenas professores que estão realizando atividades não presenciais)

            . Diminuiu drasticamente 38%

             . Diminuiu um pouco. 46%

            . Manteve-se igual. 12%

            . Aumentou  4%

. Motivo para menor participação dos alunos nas atividades propostas:

            Motivo( múltiplas respostas)

. As famílias não conseguem auxiliar os estudantes para a realização das atividades. 74%      

. Os estudantes não sabem utilizar os recursos tecnológicos para acompanhar as aulas. 38%

 . Os estudantes não se sentem motivados para realizar as atividades 53%;

. Os estudantes não têm acesso à internet e aos demais recursos necessários. 80%

       .  Sentimento dos professores em relação ao momento atual:

. tranquilidade, tenho certeza de que logo a normalidade será retomada; 18%

                . solidão, em razão do isolamento social. 20%

                . apreensão em relação a perda de direitos e garantias. 44%

. medo e insegurança por não saber quando e como será o      retorno à normalidade. 69%

. angústia em relação ao futuro. 50%”[7]  

                   Os números da pesquisa por amostragem falam por si, e apontam a  dificuldade no processo de ensino-aprendizagem do professor, e também, do aluno,  consciente ou não, por falta de equipamentos da tecnologia da informação   e/ou ausência de treinamentos suficientes para utilização dos recursos de tecnologia.   

                   A consciência e responsabilidade de todos face ao problema é fundamental para avanços na busca das soluções para o problema. O tempo e os investimentos bem direcionados são os elementos deste processo.

                   No âmbito normativo temos amparo na medida que, a  Constituição Federal em seu art. 6º dispõe: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,  a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”  (grifo nosso).

                   O Capítulo III, Seção I, da Constituição Federal  trata da Educação (arts. 205 a 214) e deste rol também salienta:

                   . art. 205  da Constituição Federal: “ A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.“(grifo nosso);

                   . art. 206 da  Constituição Federal: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

  1. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
  2. Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

:

VII. garantia de padrão de qualidade;

:

                   Há inúmeras normas que regem a educação no Brasil e portanto, não faltam fundamentos para amparo e busca da melhora das condições do ensino tanto público, como particular, fundamental ou superior.

A lei no. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional(LDB) e em seu artigo 1º dispõe que: “A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”(grifo nosso)

Complementa o art. 2º da LDB “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”(grifo nosso)

Por oportuno, cabe lembrar que, em conformidade com a referida lei, o ensino será ministrado com base em  princípios(art. 3º.) dos quais destacamos:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o   pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;

IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância;

:

                 VII – valorização do profissional da educação escolar;

         :

         IX – garantia de padrão de qualidade;

         X – valorização da experiência extra-escolar;

XI – vinculação entre a educação escolar,o trabalho e as práticas                  sociais.

XIII – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da   vida.             (Incluído pela Lei nº 13.632, de 2018)(grifo nosso)

O inciso XIII do art. 3º da LDB, “garantia do direito à educação e à aprendizagem foi incluído pela Lei no.13.632, de 2018. O Projeto de Lei 5374/2016 é de autoria do  Deputado Federal Eduardo Barbosa – PSDB/MG e foi apresentado em 24 de maio de 2016 tendo a seguinte justificativa:

“O conceito de educação ao longo de toda a vida ganhou impulso com o Relatório elaborado em 1996 para a UNESCO, pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, denominado “EDUCAÇÃO UM TESOURO A DESCOBRIR”, mais conhecido como Relatório Delors, em referência a Jacques Delors, que coordenou a equipe de especialistas que o elaborou.

Este documento considerava que a educação deveria se organizar, ao longo de toda a vida, em torno de quatro aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer; aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser.

A educação deveria ser encarada como uma “construção contínua da pessoa humana, dos seus saberes e aptidões, da sua capacidade de discernir e agir”.

A V Conferência Internacional de Educação de Adultos CONFINTEA, realizada na Alemanha, em 1997, encareceu a necessidade do reconhecimento do “Direito à Educação” e do “Direito a Aprender por Toda a Vida”.

Esta Conferência, assim como a VI CONFINTEA, realizada no Brasil, acentuou a busca de articulação entre os conceitos de educação e de aprendizagem ao longo da vida.

Essas oportunidades educacionais, ao longo da vida devem ser asseguradas, também, aos educandos com deficiência, mas, infelizmente, não tem havido estímulo para que a EJA os acolha.

O Marco de Belém, aprovado na VI CONFINTEA, realizada no Brasil chega a prever (item 14), entre os compromissos assumidos pelos signatários (item “e”) a priorização de investimentos na aprendizagem ao longo da vida para mulheres, populações rurais e pessoas com deficiência.

Assim, sugerimos que, entre os princípios a partir dos quais é ministrado o ensino, esteja a garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.

Da mesma forma, propomos que a EJA constitua instrumento para a educação ao longo da vida e, finalmente, que a educação especial seja estendida ao longo da vida, em todos os níveis e modalidades.” (grifo nosso)

A justificativa apresentada que culminou na inserção do  inciso XIII do art. 3º da LDB “garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da   vida”,  fundamenta e ampara no âmbito normativo à saga de docentes e discentes em prol do aprender e educar.                


[1]  Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Doutora. Mediadora, Conciliadora e Árbitra. Professora da Escola Paulista da Magistratura de São Paulo(EPM). Professora UNIJALES – Centro Universitário de Jales. Vice Presidente da Associação Paulista de Conservadores e Restauradores de Bens Culturais. Membro efetivo da Comissão de Ensino Juríico da OAB/SP. Consultora Especialista do Conselho Estadual de Educação – São Paulo. Integrante do Banco de Avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação de Educação Superior – BASIS. Consultora Jurídica. 

[2] Ensino à distância faz desigualdade ficar ‘escandalosa’, diz avó de aluno que não consegue estudar por falta de equipamentos em SP. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/21/ensino-a-distancia-faz-desigualdade-ficar-escandalosa-diz-avo-de-aluno-que-nao-consegue-estudar-por-falta-de-equipamentos-em-sp.ghtml  Acesso em 15 de julho de 2020.

[3] Ensino à distância faz desigualdade ficar ‘escandalosa’, diz avó de aluno que não consegue estudar por falta de equipamentos em SP. Rauny Siqueira tem medalhas de olimpíadas de matemática e xadrez, mas sem smartphone e wi-fi em casa, não têm mantido rotina de estudos e vê seu sonho de se tornar engenheiro civil se distanciar; governo estuda compra de notebooks e celulares, doação de empresas e pede engajamento de famílias.

https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/21/ensino-a-distancia-faz-desigualdade-ficar-escandalosa-diz-avo-de-aluno-que-nao-consegue-estudar-por-falta-de-equipamentos-em-sp.ghtml  Acesso em 15 de julho de 2020.

[4] Ensino à distância faz desigualdade ficar ‘escandalosa’, diz avó de aluno que não consegue estudar por falta de equipamentos em SP. https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/21/ensino-a-distancia-faz-desigualdade-ficar-escandalosa-diz-avo-de-aluno-que-nao-consegue-estudar-por-falta-de-equipamentos-em-sp.ghtml  Acesso em 15 de julho de 2020.

[5] Ensino mediado pela internet começa com Google Sala de Aula. Secretaria de Educação pretende proporcionar pacotes de internet gratuitos para chegar a todos os estudantes e professores. https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2020/04/09/ensino-mediado-pela-internet-comeca-com-google-sala-de-aula/ Acesso em 14 de julho de 2020. 

[6] Ensino mediado pela internet começa com Google Sala de Aula. Secretaria de Educação pretende proporcionar pacotes de internet gratuitos para chegar a todos os estudantes e professores. https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2020/04/09/ensino-mediado-pela-internet-comeca-com-google-sala-de-aula/ Acesso em 14 de julho de 2020. 

[7] RESUMO TÉCNICO DA PESQUISA TRABALHO DOCENTE EM TEMPOS DE PANDEMIA Belo Horizonte, 07 de julho de 2020.https://www.cnte.org.br/images/stories/esforce/pdf/ResumoTecnico_PesquisaTrabalhoDocenteECovid_07julho.pdf Acesso em 15 de julho de 2020.


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