Olívia de Quintana Figueiredo Pasqualeto[1]

O desenvolvimento de novas tecnologias, como inteligência artificial, internet das coisas, big data, etc. tem atraído atenção dos governos, empresas, academia e sociedade civil em todo o mundo. Por um lado, a intensificação do uso de novas tecnologias gera novos tipos de ocupações; permite que se gaste menos tempo com tarefas rotineiras, restando tempo para tarefas mais criativas; viabiliza a criação de novas estratégias de negócio, etc. Por outro lado, surgem preocupações com a substituição do trabalho humano pela máquina, o aumento do desemprego, a falta de capacitação para o trabalho, etc.

Assim, o estudo sobre o futuro do trabalho pode se dar a partir de diferentes abordagens, a exemplo da automação e aumento do desemprego, gig economy e trabalho em plataformas digitais, capacitação dos trabalhadores, dentre outras.

Neste texto, na esteira da Agenda 2030 e da Declaração do Centenário da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pretendemos salientar, mais especificamente, a necessidade de atenção para uma dessas abordagens: letramento digital como ferramenta de capacitação e aquisição de competências para o futuro do trabalho.

Quanto à Agenda 203, ao analisarmos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), verificamos a inter-relação entre educação (ODS nº4: Assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos), trabalho (ODS nº8: Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos) e tecnologia (ODS nº9: Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação).

Quanto à Declaração do Centenário da OIT, já em seu preâmbulo, consta expressamente as mudanças pelas quais a sociedade está passando e passará, tendo como um dos motores dessas mudanças, as inovações tecnológicas. E, mais adiante, no item A, alínea (iii), declarou-se a OIT deve direcionar os seus esforços a fim de

promover a aquisição de competências para todos os trabalhadores em todas as fases da sua vida profissional, a fim de colmatar as lacunas de competências existentes e previstas, dedicando especial atenção à harmonização dos sistemas de ensino e formação com as necessidades do mercado de trabalho (OIT, 2019a).

Dessa forma, nota-se a relevância da aquisição de competências para que os trabalhadores (e também empregadores) se mantenham ativos no mercado. Segundo a OIT (2019b), os avanços tecnológicos criarão novos postos de trabalho, mas aqueles que perderem os empregos ao longo dessa transição “poderão ser os menos preparados para aproveitar as novas oportunidades. As competências de hoje não terão correspondência nos trabalhos de amanhã e as novas competências adquiridas podem rapidamente tornar-se obsoletas”.

A pandemia do novo coronavírus evidenciou a necessidade da aquisição de competências tecnológicas para a realização de atividades rotineiras no trabalho, a exemplo da realização de reuniões virtuais, conhecimento de certos softwares, habilidade para se comunicar por meio da tecnologia, etc. Em suma, ficou evidenciada a importância do que alguns autores da área da educação denominam como letramento digital.

Segundo Souza (2007), a expressão letramento digital é frequentemente utilizada em duas perspectivas: uma, mais restrita e outra, mais ampla.

Na sua acepção mais restrita, letramento digital não considera o contexto social, cultural histórico e político que o circunda, correspondendo a habilidade de utilizar a tecnologia digital, as ferramentas de comunicação e de redes para acessar, gerenciar, interagir, integrar e criar informação para funcionar e atuar em uma sociedade de conhecimento (FREITAS, 2010).

Em sua acepção mais ampla, o letramento digital é compreendido como um sistema de valores, práticas e habilidades social e culturalmente envolvidos que operam linguisticamente dentro de um contexto de ambientes eletrônicos (FREITAS, 2010). Há, nessa visão ampliada, uma possibilidade de uso crítico das informações. Assim, não basta saber utilizar as redes, mas avaliar criticamente o seu conteúdo, utiliza-la da forma mais adequada e assertiva às necessidades que se apresentam, etc.

Assim, ao lado do letramento convencional (MILL; SANTIAGO, 2020), o letramento digital – sobretudo em sua acepção ampliada e em seus mais diversos âmbitos (laboral, social, cultural, etc.) – passa a ser elemento fundamental para atender às competências que são exigidas no trabalho do futuro (e do presente).

Referências

FREITAS, Maria Teresa. Letramento digital e formação de professores. Educação em revista, v. 26, n. 03, p. 335-352, 2010.

MILL, Daniel; SANTIAGO, Glauber. Ambientação e letramento digital. São Carlos: UFSCAR, 2020.

OIT. Declaração do Centenário. Genebra: Conferência Internacional do Trabalho, 2019a. Disponível em < https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—europe/ —ro-geneva/—ilo-lisbon/documents/publication/wcms_706928.pdf >. Acesso em 22 set. 2020.

OIT. Trabalhar para um futuro melhor. Genebra: Bureau Internacional do Trabalho, 2019b. Disponível em < https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—europe/—ro-geneva/ —ilo-lisbon/documents/publication/wcms_677383.pdf>. Acesso em 22 set. 2020.

SOUZA, Valeska Virginia Soares. Letramento digital e formação de professores. Revista Língua Escrita, v. 2, p. 55-69, 2007.



[1] Doutora e Mestra em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Advogada. Membro da Comissão Especial de Direito do Trabalho da OAB-SP. Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo. Professora da Universidade Paulista. Professora da Universidade São Judas Tadeu. Professora na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Pesquisadora sênior do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da Fundação Getúlio Vargas.


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