Raíssa Moreira Lima Mendes Musarra[1]

A tecnologia pode figurar entre os esforços realizados para a inclusão social e efetivação dos direitos das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida no Brasil, diante da larga extensão das funcionalidades contempladas pelas ferramentas tecnológicas disponíveis e dos significativos impactos gerados por elas no cotidiano de seus usuários, relatadas enquanto auxiliares na transposição de barreiras[2].

Muitos são os avanços teóricos e tecnológicos na área de inclusão social, porém, convém assegurar que os usuários finais tenham disponíveis produtos e serviços que correspondam às suas reais demandas[3], o que aduz a importância da participação destes usuários na concepção e na utilização dos recursos. Assim, há adequação do marco legal e institucional nas políticas públicas e na sociedade?

A Lei de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146 de 2015, emprega o termo “tecnologia” ao dispor sobre “tecnologias assistivas”, “tecnologias da informação e comunicação” e “tecnologias sociais”.

No artigo 77, no item “da Ciência e Tecnologia” a lei determina ao poder público o dever de fomentar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a inovação e a capacitação tecnológicas voltados à melhoria da qualidade de vida e ao trabalho da pessoa com deficiência e sua inclusão social. Este fomento deve priorizar a geração de conhecimentos e técnicas que visem à prevenção e ao tratamento de deficiências e ao desenvolvimento de tecnologias assistiva e social (§1 do artigo 77).

Esta lei considera “tecnologia assistiva” ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social (art. 3º, inciso III). 

Já o conceito de Tecnologia Social surge em apresentação oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação (MTCIC) como “um conjunto de técnicas, metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida” (ITS. 2004: 26).

 Outro termo relevante nessa explanação é o de acessibilidade. Na lei de inclusão acima referida ele surge como: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida.

A acessibilidade e as tecnologias assistiva e social devem ser fomentadas mediante a criação de cursos de pós-graduação, a formação de recursos humanos e a inclusão do tema nas diretrizes de áreas do conhecimento (§2º, artigo 77). E deve ser fomentada a capacitação tecnológica de instituições públicas e privadas para o desenvolvimento de tecnologias assistiva e social que sejam voltadas para melhoria da funcionalidade e da participação social da pessoa com deficiência (§ 3º).

Além o dever de fomento por parte do Estado, há o dever de estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento, à inovação e à difusão de tecnologias voltadas para ampliar o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias da informação e comunicação e às tecnologias sociais (artigo 78). E, em especial: ao emprego de tecnologias da informação e comunicação como instrumento de superação de limitações funcionais e de barreiras à comunicação, à informação, à educação e ao entretenimento da pessoa com deficiência; e à adoção de soluções e a difusão de normas que visem a ampliar a acessibilidade da pessoa com deficiência à computação e aos sítios da internet, em especial aos serviços de governo eletrônico (artigo 78, par. único, inc. I e II).

Assim, pontua-se a necessidade de esclarecimento, em termos normativos, dos alcances de cada direito/dever para cada categoria “pessoa com deficiência” e “pessoa com mobilidade reduzida”. E, além disso, quais as tecnologias respondem a quais direitos: individuais, coletivos, difusos e sociais e quais as estratégias de ação para o alcance de sua efetividade individual e coletivamente. 

Cerca de 10% da população mundial vive com alguma deficiência[4]. Destes, cerca de 80% vive em países em desenvolvimento. Cerca de 30% dos meninos ou meninas de rua têm algum tipo de deficiência em países em desenvolvimento. Além disso, até 2013, 90% das crianças com deficiência não frequentavam a escola[5]. Hipossuficientes, mulheres e meninas com deficiência são particularmente mais sujeitas a abusos e têm muitas vezes o seu acesso à justiça ou cuidados preventivos consideravelmente reduzidos. Dificuldades de locomoção ou de verbalização de seus direitos tornam essa população mais vulnerável e reduzem ainda mais sua cidadania[6]

De acordo com o IBGE[7] o Brasil possui 45 milhões de pessoas com deficiência. Os números são ainda maiores se considerado o acesso a direitos de pessoas com mobilidade reduzida. Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas[8].

Ao seu turno, considera-se pessoa com mobilidade reduzida aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso[9].

Contudo, de acordo com Medeiros e Diniz (2004, p. 5) “É perfeitamente possível, por exemplo, que, em uma sociedade devidamente ajustada, uma pessoa com algum tipo de limitação funcional não experimente a deficiência”. Para os autores, o envelhecimento populacional evidencia que as limitações funcionais ou perdas de autonomia não pertencem apenas ao universo do inesperado, mas, fazem e farão parte da vida de uma grande quantidade de pessoas[10].

                À guisa de instigação de um debate sobre as temáticas levantadas, é relevante arguir: Como estão as agendas públicas e políticas quanto às tecnologias de inclusão? De que maneira Sociedade e Estado vêm demandando e/ou fazendo uso das tecnologias de inclusão? Vem o Estado materializando ações no sentido de garantir a implementação e o uso de tais tecnologias social e/ou individualmente? Em que medida a Ciência Jurídica pode contribuir o fortalecimento do uso da tecnologia para inclusão social e efetivação de direitos?


[1] Pesquisadora da Escola Superior da Advocacia de São Paulo – ESAOAB/SP. Pesquisadora em nível de Pós-doutorado no Instituto de Energia e Ambiente (IEE/USP). Pesquisadora do RCGI (Research Centre for Gás Innovation)/USP. Advogada, pós-graduada em Direito Público (UFG) mestre e doutora em Ciências Sociais (UFMA; UFPA), com estágio doutoral sanduíche na Universidade Paris XII, Villetaneuse (Sociologie/Droit).

[2] BONILHA, Fabiana F. G. Prefácio: in BONILHA, F. F. G. ; OLIVEIRA, A. I. A. ; MELLO, A. G. ; PINHO, C. R. ; OLIVEIRA, C. R. M. ; FRANCO, C. R. L. ; ZAPAROLI, D. A. ; PHILOT, G. M. . Reflexões sobre Tecnologia Assistiva, 2014.

[3] BONILHA, Fabiana F. G. Prefácio: in BONILHA, F. F. G. ; OLIVEIRA, A. I. A. ; MELLO, A. G. ; PINHO, C. R. ; OLIVEIRA, C. R. M. ; FRANCO, C. R. L. ; ZAPAROLI, D. A. ; PHILOT, G. M. . Reflexões sobre Tecnologia Assistiva, 2014.

[4] ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS). A INCLUSÃO SOCIAL E OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: Uma agenda de desenvolvimento pós-2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/07/UN_Position_Paper-People_with_Disabilities.pdf. Acesso em agosto de 2019.

[5] ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS). A INCLUSÃO SOCIAL E OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: Uma agenda de desenvolvimento pós-2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/07/UN_Position_Paper-People_with_Disabilities.pdf. Acesso em agosto de 2019.

[6] ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS). A INCLUSÃO SOCIAL E OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL: Uma agenda de desenvolvimento pós-2015. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2015/07/UN_Position_Paper-People_with_Disabilities.pdf. Acesso em agosto de 2019.

[7] IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Quase 25% da população brasileira tem alguma deficiência (2016). Disponível em: https://ww2.ibge.gov.br › caracteristicas_religiao_deficiencia_tab_uf_xls . ITS – Instituto de Tecnologia Social. Caderno de Debate – Tecnologia Social no Brasil. São Paulo: ITS. 2004.

[8] BRASIL, Lei, LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Planalto, 2015.

[9] BRASIL, Lei, LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – Planalto, 2015.

[10] MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Debora. A NOVA MANEIRA DE SE ENTENDER A DEFICIÊNCIA E O ENVELHECIMENTO. IPEA, INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Brasília, 2004.


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